Nas férias não tenho a obrigação de ler nada. Talvez seja por isso que as postagens neste blog se tornem mais freqüentes justamente durante o período de férias. Quando a carga de leitura diminui, a carga de raciocínio aumenta.
O post de hoje será absolutamente massante para quem não se interessa por ciências humanas (leia-se antropologia, nesse caso). Mas como a idéia do blog é justamente a de escrever o que acho que deva ser escrito, lá vou eu:
Não sei se existe de fato (um tipo de) "propósito final" na antropologia. Talvez não. Mas certamente pode-se dizer que uma de suas premissas é jamais avaliar o outro de acordo com seus (de quem avalia) próprios parâmetros. Se alguém o faz, este alguém é um etnocêntrico, um cara que avalia outros grupos de acordo com os parâmetros dos grupos nos quais o etnocêntrico está inserido. Esta é uma das lições mais básicas que se aprende em um curso de antropologia.
Pois bem. Pelo pouco que estudei desta matéria, pude perceber que uma forte corrente que se desenvolve nela é o estudo de agrupamentos periféricos (indígenas, na maioria das vezes) e a busca, dentro desses agrupamentos da forma pela qual eles se constroem enquanto grupo.
Isso é muito bonito, em minha opinião. Uma vez que a maioria das pessoas tende a avaliar determinado grupo de acordo com parâmetros que não são os do grupo avaliado, é um trabalho realmente nobre buscar compreender o outro da mesma maneira pela qual ele próprio se concebe.
É a partir daqui que eu entro. Conversando com alguns amigos meus da área, tenho percebido uma recorrente preocupação com a compreensão de grupos periféricos. Não acho que isso não deva ser feito, é bom que se diga.
O problema é que percebo uma espécie de "sinismo" nisso tudo. Sei que a palavra é pesada. Mas é meio revoltante, leitor. Vou explicar a origem da minha "revolta":
Os antropólogos são sempre os primeiros a dizer que não existe raça, cultura... provavelmente em algum tempo nem mesmo a divisão de "sexo" irá sumir. Beleza. O problema é que os estudantes de grupos periféricos buscam sempre uma comparação com o "Ocidente". Este post gostaria de perguntar aos antropólogos:
Quem é o Ocidente?
É a baiana que se veste com aquelas roupas brancas tradicionais, vende acarajé e reza para Iemanjá? Ou é o gaúcho que veste bombacha, toma chimarrão e dança fandango? Ou é o americano que ouve Lady Gaga, dança Michael Jackson e come no McDonald's? Quem é o Ocidente? São todos eles? Ou não é nenhum deles?
Mais ainda:
Se existe uma constante insistência em dizer que cada lugar é um lugar, e que cada "cultura" (sempre com aspas) é uma cultura, então por que é que se põe o "Ocidente" inteiro dentro do mesmo saco? Dª Antropologia, a senhora não julga falar em "Ocidente" um erro conceitual de sua própria constituição? Isso não é uma (espécie de) "generalização do ingeneralizável"?
Me arriscaria dizer que é um mero recurso retórico que permite aos estudantes de grupos periféricos dizer algo do tipo:
"Está vendo, os Xs têm uma concepção de espaço diferente dos ocidentais." ou "Enquanto no Ocidente se pensa assim, nos Ys se pensa de outro jeito." Mas os ocidentais têm realmente entre si uma concepção de espaço que é homogênea? Os ocidentais pensam do mesmo jeito?
Será que o "propósito final" (se é que este existe) da antropologia é se tornar um almanaque de curiosidades? Se não é, gostaria de saber que é "o Ocidente dos antropólogos".
Acho que já fui suficientemente claro em minha proposta. Vou parar por aqui.
É isso.
segunda-feira, 19 de julho de 2010
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