sábado, 30 de janeiro de 2010

A era das Inovações Descartáveis

Gostaria de começar este post agradecendo aos que me prestigiaram com seus comentários no post anterior. Não esperava mais que um comentário para o primeiro post pra valer. Obrigado!

O segundo pra valer deste blog vai começar com um historinha verídica que ouvi ontem à noite. Minha doidice aparecerá depois dela (da história). Bom, vamos a ela:

Minha querida "escolinha", o (hoje) IF-SP , há dois anos retomou seus tradicionais cursos integrados (onde se cursa ensino médio e curso técnico concomitantemente). Em um deles, (o de Mecânica) tenho além de alguns amigos e conhecidos, meu irmão, que foi o interlocutor desta.

No longínquo ano de 1964, a então ETFSP comprou uma fresadora húngara, se não me engano de marca Strigon, que já havia sido usada antes desse ano, inclusive. Esta máquina era usada pelos alunos do curso de mecânica e talvez de outros cursos daqueles tempos, provavelmente até meados dos anos 1990 (quando alguns cursos técnicos (incluindo o de Mecânica) foram abolidos em virtude da separação do curso técnico do curso de ensino médio).

Algumas máquinas ficaram guardadas, parcialmente esquecidas enquanto não eram usadas.

Voltamos ao ano de 2009. Para os alunos do 2° ano do curso de Mecânica, que teriam que aprender a mexer com as famigeradas fresadoras, foram adquiridas pelo Governo Federal 7 pomposas máquinas chinesas, que, sendo complementadas por outras 3 sobreviventes do milênio anterior comporiam um conjunto de 10.

A turma de 30 alunos foi dividida em 3 subturmas de 10 alunos, que durante o ano fariam um rodízio pelas máquinas a serem aprendidas por eles naquele período, a saber: torno, lima, e... FRESADORA.

Bem, logo na turma que trabalhou com a dita máquina no primeiro terço do ano, quebrou uma chinesinha. No segundo terço, outra. E no terceiro terço...outras duas! Os alunos que fizerem esta matéria neste ano de 2010 conhecerão 3 chinesinhas de um ano (que provavelmente já não estarão vivas em seu segundo aniversário), e uma húngara de 46 (que é possível que ainda trabalhe com seus filhos, se eles resolverem fazer o curso daqui uns 20 anos). Não sei vocês, amigos, mas achei este fato um absurdo! Como é que pode uma máquina ser tão ruim que de 7 do mesmo tipo, mais que a metade dura menos de um ano?! É aqui que começa minha doidice de hoje.

Atualmente as coisas não são feitas pra durar. E quando falo em coisas, infelizmente não me refiro somente às fresadoras chinesas. Pensemos nas coisas fabricadas há algumas décadas: quantos Fuscas/Brasílias ainda circulam pelas nossas ruas? Quem não conhece alguém que tenha uma lavadora de 30 anos, uma geladeira, uma máquina de costura da mesma idade (aqui em casa tem das três)... peguem uma máquina de escrever de seus pais/avós, vejam se ela ainda não está escrevendo!

O avanço e o aprimoramento do capitalismo demonstrou aos "EMPREENDEDORES" que lhes é muito mais lucrativo (logo, muito mais racional) não pôrem todo o conhecimento por eles (e seus pesquisadores) adquiridos/desenvolvidos no que produzissem , mas sim fazer máquinas mais baratas e mais bonitas de baixa/baixíssima duração, e de conserto muito caro/difícil, de modo a induzir o consumidor a comprar uma máquina nova, e de jeito nenhum arrume uma velha.

(Responda aí: quem já tentou arrumar um celular, ou um computador, ou um DVD com mais de três anos de uso? E quem já arrumou uma Kombi, um Fusca, uma Brasília, uma TV, um rádio, um telefone com mais de 25 anos de uso?)

As “chinesinhas” são filhas desse período recente que culminou com o auge do capitalismo e com os “anos de ouro” de sua maior potência, os EUA. A diferença destes (do período e das máquinas) para as décadas passadas em que foi produzida velha húngara, é que hoje são pouquíssimos os fabricantes que buscam fazer algo produto cujo intento seja, além de ser útil, ser durável e fácil de consertar.

A nova tendência, ao contrário da(s) outra(s) é produzir algo que se tem a certeza de que em pouco tempo terá de ser substituído, tal como as fresadoras chinesas, ou um celular, ou um DVD, ou uma TV de 29 polegadas ou qualquer outra coisa. Coisas que duram pouco precisam de mais substituições, e se as substitutas sempre são inovadoras e glamurosas, isso gera, além de um círculo vicioso, muito lixo (imagine onde serão postas as quatro fresadoras quebradas), e um consumo descontrolado e obsessivo. É a era da inovação descatável.

O pior de tudo é que nossa economia está calcada neste consumo, que por sua vez não pode se desgrudar da inovação descartável, de modo que se ele (este tipo de consumo) cessar de uma hora pra outra, provavelmente os engravatados dirão que haverá outra crise que “deixará 1929 no chinelo”.

Estranho. De um monte de antropólogos que estudam índios mundo afora, nunca ouvi falar de relatos dos índios de que eles estavam em uma “crise econômica”. Provavelmente eles nem sabem o que “aterrorizou” a engravatados e não-engravatados do Ocidente.

Será que teremos que voltar a viver em ocas, dormir em redes e comer mandioca com banana para assim, pelo menos não mergulharmos a Terra no mar de fumaça preta? Se isso acontecer (voltarmos pras ocas), pelo menos teremos um fresadora Strigon para produzirmos as novas engrenagens de nosso mundo. Mas, pelo jeito, acho que os bixos do meu irmão ainda vão ter que aprender muito chinês (boa sorte, bixos!).

6 comentários:

  1. Hahaha!!!Gostei da sua indignação, Alemão! Pode até parecer teoria da conspiração, mas seja por falta de qualidade, por "inconsertabilidade" ou por evolução tecnológica, as coisas não duram tanto quanto antes, e como eu vou consertar meu computador de 7 anos? ou vendê-lo? ele virou lixo encostado no quartinho dos fundos...isso porque eu moro no Brasil, não sou uma fanática por eletrônicos e não estou cagando dinheiro...imagine como que não é em alguns outros países?
    Ainda há pouco tempo eu pensei, que é claro que não fazem um produto que dure muito, querem que o consumidor o troque rapidamente....de fato é assim!
    gostei da doidice...vai virar um bom espaço para discussões, "pelo cheio da mortadela"

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  2. Adorei, Aníbal. Muito bom mesmo.
    O final ficou muito interessante...

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  3. Bem antropológico! hehe muito legal o exemplo macro (as fresadoras) da cultura descartavel (pq geralmente se pensa que são só os mp3, liquidificadores, dvds, etc. que "dão pau" exatamente ao fim de suas garantias)

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  4. Farinha, adorei o tema, o texto é excelente e muito útil para pensarmos na nossa vida moderna.
    Eu posso servir de testemunha viva, pois fui aluno da primeira turma de 2009 a mexer nas fresadoras "chineisinhas"... o texto me fez pensar, está claro que existe o interesse de que se troque os produtos muito rapidamente, porém nesse caso específico, de "quem" é esse interesse?
    Nossas fresadoras são um presente do governo federal, compradas com dinheiro público, sendo assim me ocorre que pequenas ou grandes falcatruas podem ser envolvidas nas aquisições dessas maquinas. Eu nao acredito que exista apenas uma empresa no mundo que produza maquinas fresadoras, ou entao que todas as empresas produzam maquinas vagabundas ao ponto de quebrarem 4 por ano de uso. Eu me pergunto se o interesse e ânsia de comprar novas maquinas ou novos produtos, sao dos produtores que desejam vender mais, ou dos comsumidores "engravatados" que sequer tocaram nessas maquinas e desejam se beneficiar mais uma vez com a compra delas?
    Teremos que esperar até as outras 6 quebrarem pra descobrir...acho que nao deve demora muito.

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  5. Ótima questão, Fra! Não sei responder ao certo. Mas imagino que não haja interesse específico de alguém nisso.
    O governo se satisfaz por comprar para seus alunos "máquinas da última geração", e poder dizer isso a todo mundo (não tenha dúvida que isso aparecerá em alguma propaganda política dos pleitos-2010), e a fábrica chinesa se satisfaz ao saber que, provavelmente dois anos depois da primeira venda, venderá outra quantidade igual de novas (e mais modernas, logo mais caras) máquinas, que dois anos depois será substutuída por outras mais novas, mais modernas e mais caras. A constante inovação/modernização dos equipamentos serve de pretexto para sua pouca/pouquíssima durabilidade. Só quero ver se ano que vem a Federal irá realmente comprar outras 10 máquinas chinesas para substituir estas... a conferir. Depois vocês me contam. Abração!

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  6. ahhhhhhhhh tive que voltar aqui! lembrei de um eletro-doméstico que nunca quebra! microondas!!!eu vejo muitos antigos e novos, nunca quebram!

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