domingo, 7 de fevereiro de 2010

O jornalismo e as velhas futriqueiras

Já faz algum tempo que tenho pensado sobre este assunto, mas acho que só agora ele "deu a liga" suficiente na minha cabeça pra que eu postasse algo sobre.

Hoje falarei sobre nossa "Grande Mídia", e aos "Grandes Fatos" que ela vive nos "informando" (quantas aspas, ?!).

Principalmente depois de ter entrado na faculdade comecei a ter um olhar um pouco mais crítico para o que me era dito uma, duas, três, cinco, dez, cem vezes pelos jornais, principalmente pelos televisivos (que são, ainda hoje, os mais massificados), mas sem tirar desse grupo também os radiofônicos, os escritos, e (por quê não?) também a internet (se bem que esta última permite ao "informado" ter uma mobilidade maior dentro do que lhe é noticiado).

Bem, antes mesmo de entrar na faculdade já me incomodou um pouco a grande repercussão que foi dada ao problema do "Aquecimento Global", já que (pensava eu), por se tratar de um acontecimento que foi sendo construído ao longo de séculos de mau uso do meio-ambiente, por que então justamente naquele momento ele (o Aquecimento Global e problemas ambientais afins) era(m) posto(s) como se fossem a razão única do fim do mundo, que estava prestes a acontecer?

Aí logo que entrei na faculdade, aconteceu o famigerado "Caso Isabella", que causou grande comoção nacional pela terrível atrocidade cometida pelo próprio pai contra a indefesa menina de 5 anos de idade.

Se não me engano (me corrijam se estiver enganado), cronologicamente este foi sucedido pela grande Crise Mundial (que, de acordo com alguns foi maior ainda que a de 1929), que deixou os mercados de todo o planeta atônitos, e pobres milhões de pessoas desempregadas, e levou a economia mundial ao colapso.

Depois desse, já em 2009, apareceu a Gripe Suína, a nova gripe do tipo A que era transmissível pelo próprio ar, o que pôs em milhares de conscientes cidadãos de bem as milagrosas máscaras protetoras, seja nas ruas, seja nos metrôs, nos edifícios comerciais e até nos estádios de futebol. A tal gripe fatal fechou o México, fechou escolas, e inclusive atrasou a volta das minhas aulas no segundo semestre de 2009.

Aí teve o caso de corrupção do Arruda (do qual até hoje nao me informei decentemente) que não me aprofundarei aqui, e o mais recente parece ser o terremoto no Haiti, que devastou o país, deixando centenas de milhares de pessoas mortas, e outras tantas milhões de desabrigadas. E ainda devem ter outros tantos nesse meio tempo que ainda me esqueci de mencionar, como o das enchentes em SC em 2008 e as em SP em 2010.

Calma leitor. Meu texto de hoje não se ariscará/ousará a ponto de negar a veracidade (ao menos parcial) tudo isso que é noticiado (e noticiado, e noticiado...) com tanta frequência pelos nossos órgãos de informação.

Mas algumas indagações me são inevitáveis:

Se há décadas e décadas (quem sabe séculos) optou-se pelo desenvolvimento mercantil a todo custo (desde as Grandes Navegações, lembra?), o que devastou, por exemplo, 93% da nossa Mata Atlântica, quase todo nosso pau-brasil (não se iludam, não sou ambientalista) e que ainda hoje põe centenas de árvores no chão lá na Amazônia pra colocar um único boi no lugar, por que é que só agora isso virou um problema de vida ou morte?

Se em toda a sociedade do mundo há infanticídios, e se, mesmo no Brasil a cada dia tem um, por que especificamente o de Isabella tomou proporções tão desproporcionais (perdoem a antítese)? E onde estão os Nardoni hoje?

Se os EUA calcaram durante décadas sua economia na filosofia do "consuma o quanto conseguir", a ponto de permitir a seus cidadãos empréstimos bancários do tamanho da hipoteca de suas casas, qual a surpresa na quebra da economia em algum momento qualquer?

Se o prefeito de São Paulo opta por gastar 1,3 bi alargando as pistas (e diminuindo o leito do rio) da Marginal Tietê aos invés de, com metade deste dinheiro construir pelo curso deste mesmo rio uma linha de trem que ligue o centro da cidade à Zona Leste (que, curiosamente é o lugar onde há mais trabalhadores), qual a surpresa em ver dia-após-dia a Marginal cheia d'água?

O que não vejo em nenhum dos jornais que leio/assisto, é, por exemplo, alguém analisando a mudança nas relações familiares como um todo ocasionada por X, Y, ou Z motivo (falta de amor, excesso de trabalho, de stress, de cobranças, de racionalidade...sei lá), que não é só um problema dos Nardoni, mas sim um problema de nossa sociedade como um todo. Mas é divulgado como se fosse um problema exclusivo deles. "Com o resto tá tudo certo, viu Doutor?"

E a crise mundial, então? Foi analisada como um acaso catastrófico, que podia ter sido evitado se Obama tivesse sido mais rápido para agir. O aquecimento global, então... parece que não existia há 10 anos atrás. Os acontecimentos não têm história; são vendidos como se tivessem se produzido do nada, instantaneamente.

A "Grande Mídia" pega os "Grandes Fatos" e dá a eles enormes proporções, e pior ainda, querem dar a sensação de que é algo totalmente novo, uma aberração inesperada. É nitidamente feito pra causar efeito na sociedade, mudar o assunto (que a própria Grande Mídia tinha posto) em voga, e, (repararam?) para ter sempre um fundo trágico e/ou ameaçador, o que acaba sempre por prender a atenção. É assim que são feitos os jornais de nossos dias.

Ninguém está interessado em explicar que o Haiti foi o primeiro país do mundo a abolir a escravidão, e o segundo nas Américas (atrás somente dos EUA) a proclamar independência, e justamente por isso (adicionando-se o fato de ser um país negro) sofreu um bloqueio comercial de Europa e EUA por 60 anos: ninguém tinha vontade de que o Haiti fosse "pra frente"; muito pelo contrário, por algum tempo, a política internacional haitiana podia ser definida da seguinte maneira: HAITI X PAÍSES BRANCOS DESENVOLVIDOS. Bem, já sabemos quem venceu esta batalha histórica, e quem ficou o país mais pobre das Américas.

Mas os jornais não mostram isso. No caso haitiano, não vejo muitas coisas além das ruínas, lágrimas, sangue, choro, e é claro: a ajuda dos brancos bonzinhos!

Os mesmos jornais que não dizem que a gripe normal mata 70 vezes mais que a suína, dizem "USE MÁSCARA, SENÃO A GRIPE SUÍNA VAI TE PEGAR!". Neste caso, como em tantos outros, os jornais prestam um desserviço à sociedade; desinformam ao invés de informar. Não explicam nada, e o que explicam ainda vem recheado de "erros" (para ser eufemista) e omissões gravíssimas como mostrei nos dois exemplos que mencionei acima. O que importa é fazer escândalo; causar; aparecer. É absurdo. Não dá pra acreditar que haja gente que esteja milionária por produzir este tipo de serviço. Muitos dos que eu conheço fariam muito melhor, e por 1/4 do salário, eu garanto.

Escrever isso me fez lembrar das folclóricas velhas futriqueiras, que passam o dia inteiro falando da vida dos outros. Não se importam com o que está certo ou errado, ou com o que é verdade ou não: o que importa é ter assunto pra falar com as outras futriqueiras. Falar mal da vida dos outros é o que lhes apetece.

Estive pensando comigo se os jornais, ao invés de contarem com grandes equipes muito bem pagas, contassem apenas com duas ou três velhas futriqueiras. A que conclusão cheguei, leitor? Seria muito melhor! Todo mundo poderia discordar delas (afinal são velhas futriqueiras), já que seriam incapazes de dogmatizar qualquer coisa (quer um exemplo de dogmatização pela Grande Mídia? -Apareça como assassino no JN e veja quem acreditará em sua inocência. Provavelmente nem sua mãe!), não precisariam tentar esconder suas opiniões, o que poderia tornar a futricagem (ou jornal?) inclusive mais engraçado. Lógico, não precisariam gastar milhões e milhões para manter um correspondente em cada canto do mundo. E o melhor de tudo: não enganariam ninguém, pois não se arrogariam (nem poderiam) as "difusoras da verdade". Que é que você acha, leitor?

Bom, enquanto as velhas futriqueiras não são descobertas pela "Grande Mídia", acho que meus leitores terão que ficar com este moleque futriqueiro mesmo. E eu tratarei de futricar direito, fiquem tranquilos. É isso por hoje.

2 comentários:

  1. Alemão, o que mais me incomoda no jornalismo da Grande Mídia é essa capacidade de se tornar o discurso dominante e de se travestir com "A" verdade, que fosse dissecou muito bem no texto.

    Como está dito acima, não se pode refletir sobre o jornalismo dominante questionando se as notícias são verdadeiras ou não. Usar essa abordagem significa entrar no jogo da própria visão jornalística dominante, que prevê a existência de uma verdade e uma mentira, de um bem e de um mal. As questões que se podem propor são: O que orienta a construção das notícias? Que tipo de interesse ou concepção está por trás dessa parente imparcialidade jornalística? Como se constrõe um fato jornalístico? Por que um dado tal como o de que a gripe normal mata mais que a suína, que está colocado no texto, não tem preferência em ser divulgado?

    No texto Alemão, você deu exemplos "macro", de notícias envolvendo grandes catrátofes ou acontecimentos que se passam como a verdade, mas que, como você propõe no texto, são uma coisa parcial, uma visão construída sobre algo. Mas a gente pode levantar uma série de exemplos "micro", de experiências menores e mais próximas a nossa realidade cotidiana. Um exemplo futebolístico: um noticiário de esporte ou um jogo transmitido pela TV, a meu ver, não corresponde 100% à experiência mais total que eu tenho quando vou ao estádio. Na TV não aparece os palavrões, a reação dos jogadores e dos juizes ao comportamento da torcida, etc. Na volta do dagoberto à arena da baixada depois de sua saída do atlético por exemplo, dava pra ver de relance, na TV ele provocando a torcida. Os jornalistas da transmissão não deram a maior importância para esse fato, que na verdade era crucial para quem estava no estádio.

    A pesquisa de iniciação científica que o Jeff está tentando fazer tem tudo a ver com isso. Na verdade, esse comentário que estou fazendo está totalmente influenciado pelas conversas que nós tivemos em janeiro com a profa Dominique. Se eu conseguir lembrar direito, eu posto uma história que a dominique contou que é muito interessante sobre isso.

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  2. Foi mais ou menos assim que eu me apaixonei pelas ciências humanas. Foi quando meus professores de história ou geografia me mostravam análises reais dos fatos, e explicavam os motivos que estavam por trás de cada coisa

    Eu me lembro de quando estourou o caso da Isabela Nardoni, e o jornal da cultura dava alguma notícia sobre, no entanto, a notícia foi pontual, quase que passou despercebida e foi seguida de uma crítica ao sensacionalismo da imprensa, também muito tímida, acredito que por força da grande mídia tabém.

    Enfim, a grande mídia, sem exageros, cega as pessoas, e são muiiiiitos cegos no país...

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