Nas aulas de legislação que tive no CFC que fiz (sim, em tese aprende-se algo de legislação num curso de CFC), houve um momento em que meu professor falou algo do tipo:
"... não precisa ficar desesperado pra salvar a vida da vítima em caso de acidente no trânsito, nem com medo da punição por omissão de socorro. Basta não fugir, e se necessário aplicar o que se aprendeu nas aulas de primeiros socorros daqui. E no Brasil, a única coisa que dá cadeia sem discussão, é deixar de pagar pensão alimentícia: se o cara atrasa um dia na pensão, no dia sguinte já aparece um oficial de justiça lá na casa dele."
E depois desse parênteses continuou normalmente o assunto da aula.
Isso me fez pensar em uma série de conversas que tenho tido com algumas das minhas amigas feministas (não conheço nenhum homem que se diga feminista). Como não sou um feminista, costumo "travar" boas discussões com as que são.
É bom deixar claro que não tenho nada contra o feminismo, muito menos com as feministas que conheço, e acho justíssima a causa pela qual elas se dedicam. Não se pode negar que desde que o "Ocidente" se conhece como tal, as mulheres são o "sexo frágil", ou o "sexo dominado", ou como quer que queiram que isso seja dito.
Para ilustrar: nos 10 mandamentos de Moisés, há um (o 9°) que diz "não cobiçarás a mulher do teu próximo", mas não há outro que diga "não cobiçarás o marido de tua próxima" (deve-se depreender daí que os mandamentos foram feitos para os homens?). Em Atenas, mulheres não eram cidadãs, por mais bem-nascidas que fossem. E exemplos da Antigüidade até atualidade não faltam para exemplificarmos a dominação da qual elas foram "vítimas" por todos esses tempos.
Eis que a Revolução Francesa proclamou o ideal a que o Ocidente aderiria até os dias de hoje "liberdade, igualdade e fraternidade". Ao proclamarem o(s) ser(es) humano(s) genérico(s) igual(is), e igualmente livre(s), deu-se margem para todos os que não eram brancos, europeus, católicos, heterossexuais e homens a buscarem uma equiparação de direitos e de tratamento em relação aos que possuíam todas as características acima citadas. Foi isso o que possibilitou a ascensão de muitos movimentos que são nossos contemporâneos: movimento negro; feminista; homossexualista; a laicização de tudo, e assim por diante (só se é possível falar de feminismo tendo-se em mente a noção de "ser humano genérico" e de direitos humanos, que surgiram na Revolução Francesa).
Bom, até agora estou contando historinhas. Mas não estou te enrolando, viu leitor?! Só estou te situando na História.
Pois bem. O post de hoje se enfocará no movimento feminista (que trato aqui em nível macro, e não deste, ou daquele feminismo especificamente), e em mais nenhum dos outros movimentos citados dois parágrafos acima. Acho totalmente plausível que um grupo que se sinta reprimido lute por sua "libertação", nada mais justo que isso. O que eu gostaria de discutir aqui, é pelo que o "feminismo" (ou movimento feminista, pra que não seja mal-interpretado) luta. Ou melhor, pelo que não luta.
Não é novidade pra ninguém a luta das mulheres pela equiparação de salários com os homens, a aspiração à igualdade de poder em qualquer esfera da sociedade e em qualquer tipo de relação... Enfim, acho que pode-se agrupar tudo isso em sua (das mulheres) luta pela emancipação das funções domésticas (seu estigma), e pela total igualdade de direitos na sociedade, o que, convenhamos, até hoje não ocorre plenamente. Até aí, têm o meu apoio irrestrito.
Mas o que me deixa com a pulga atrás da orelha, e me motivou à elaboração da doidice de hoje é o seguinte raciocínio: se no caso da separação de um casal com filhos a prioridade de guarda (no caso brasileiro, ao menos) pertence à mulher, isto não constituiria um resquício do pensamento "lugar de mulher é em casa cuidando da comida e dos filhos"?
Se sim, as feministas, que pregam principalmente a igualdade entre os sexos, não deveriam lutar contra isso? Não deveriam tentar abolir esta lei, ou tomar qualquer tipo de postura para mudá-la?
Aliado à prioridade de guarda da mãe, a prisão imediata do homem por atrasar a pensão alimentícia, não é um indicador de que o pensamento "homem sustenta o filho, e mulher cuida" ainda vive? Não lhe soa, querido(a) leitor(a), muito estranho que um acusado de assassinato tenha direito a julgamento, e um homem que atrasa a pensão vá pra prisão sem choro nem vela? Quem luta pela igualdade de direitos entre os sexos não deveria ter alguma política incisiva em relação a isso?
A partir daqui já vou um pouco mais fundo em minha doidice. Chego a pensar se a luta das feministas se limita somente ao bem das mulheres, e não à igualdade e à liberdade, que, ao menos em tese, seria o motivo inicial de sua organização: a (in)eqüidade entre os sexos. Será que não rola algo do tipo "vamos mudar só o que nos prejudica, e não mexamos no que prejudica aos outros, já que nós próprias somos as maiores beneficiadas com isso"?
Ora, se o carro-chefe do feminismo for, ao invés de equiparar a relação entre os sexos, inverter a relação de dominação, aí passarei a discordar de todas suas causas, pois já não as acharei justas. Acho que a única pessoa que deve ser subjugada é aquela que acha justo subjugar aos outros. Enquanto se luta para sua liberdade/libertação, esta luta é justíssima. A partir do momento em que se luta para encarcerar ao outro, seria melhor se não se lutasse. Isso (lutar para encarcerar ao outro) já gerou muitas guerras que mataram muita gente. Espero que eu esteja enganado sobre este aparente aspecto do feminismo.
Se falei alguma besteira, por favor me corrijam. Por hoje é isso.
terça-feira, 16 de fevereiro de 2010
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Eu pouco entendo de feminismo, mas viajei na sua doidice!Ainda mais pq eu esava discutindo essas coisas há pouco tempo na minha família, e, outra coisa que ocorre, é que normalmente o homem tem que dar pensão pra mulher, além de dar pros filhos. Acho que são sim resquícios do papel sempre designado à mulher, mas acho também que uma causa tão grande como a do movimento feminista, tem coisas que lhe interessam mais para se preocupar antes...posso ta inventando coisa também, mas desconfio disso!
ResponderExcluirMas em relação à guarda, acho que a lei também vem da tradição da mulher cuidar do lar. Dia desses meu irmão estava indo na casa de um amigo, e disse que o menino morava só com o pai, que era separado da mãe...nisso minha mãe já ficou com um pé atrás de deixá-lo ir...
Essas questões são muito complicadas e antropológicas...hehe...mas não há dúvidas de que o gênero é construído no ocidente, de forma que algumas coisas condizem mais com o cuidado, delicadeza da mulher, enquanto que outras, com a brutalidade, força do homem!
Não tenho nada contra o movimento feminista, pelo contrário, mas também acho que algumas leis estão baseadas em costumes e características de um povo...
Nossa....falei tanto que acho que ficou meio confuso...mas é isso!
Pensão Alimentícia na Separação
ResponderExcluirA pensão alimentícia, nos moldes da legislação vigente, tanto poderá ser exigida pelo cônjuge feminino quanto pelo cônjuge masculino.
Na Separação Litigiosa é possível a cumulação da ação de separação com a ação de alimentos, ou mesmo, quando uma destas demandas já existir, prosseguirão juntas, na mesma vara, com o mesmo Juiz, e os processos apensados, amarrados um ao outro.
Mas, quando um dos cônjuges der causa para a separação, ainda que apenas por fato de conduta desonrosa, não poderá beneficiar-se de pensão alimentícia prestada pelo outro cônjuge.
Entretanto, o cônjuge responsável pela separação, aquele que deu causa à separação litigiosa, poderá ser compelido pelo Juiz a prestar pensão alimentícia ao outro, se este comprovadamente dela necessitar.
Para evitar a perda deste direito muitos são os litígios que desafiam os anos e causam seqüelas morais graves nos cônjuges e nos filhos, quando não esparramam por toda a família.
Lei 6.515/77
Art. 19. 0 cônjuge responsável pela separação judicial prestará ao outro, se dela necessitar, a pensão que o juiz fixar.
Quando marido e mulher trabalham e têm condições econômico-financeira, ambos devem contribuir para a mantença dos filhos, pouco importando com qual deles seja mantida a guarda.
Lei 6.515/77
Art. 20. Para manutenção dos filhos, os cônjuges, separados judicialmente, contribuirão na proporção de seus recursos.
O Juiz, sempre que possível, deve determinar a constituição de uma garantia real para a prestação de alimentos. Essa medida evitaria centenas de processos e discussões sem sentido destinadas apenas a procrastinar o pagamento dos valores devidos. O legislador, para essas situações, já ofereceu os instrumentos legais cabíveis.
Lei 6.515/77
Art. 21. Para assegurar o pagamento da pensão alimentícia, o juiz poderá determinar a constituição de garantia real ou fidejussória.
§ 1º Se o cônjuge credor preferir, o juiz poderá determinar que a pensão consista no usufruto de determinados bens do cônjuge devedor.
§ 2º Aplica-se, também, o disposto no parágrafo anterior, se o cônjuge credor justificar a possibilidade do não-recebimento regular da pensão.
A correção monetária das pensões alimentícias, quando estabelecidas em valores fixos, deverão ser atualizadas na periodicidade legal e percentuais oficiais, salvo as pensões concedidas em percentual do salário.
Quando vinculadas a salários, as pensões não obedecerão periodicidade e sequer estarão sujeitas a atualização monetária, somente terão reajustes quando os salários do prestador de alimentos reajustarem.
Lei 6.515/77
Art. 22. Salvo decisão judicial, as prestações alimentícias, de qualquer natureza, serão corrigidas monetariamente na forma dos índices de atualização das Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional - ORTN.
Parágrafo único. No caso do não-pagamento das referidas prestações no vencimento, o devedor responderá, ainda, por custas e honorários de advogado apurados simultaneamente.
Olá!
ResponderExcluirUso dos parágrafos anteriores apenas para lembrar que, nos termos da lei, o pagamento da pensão alimentícia não é obrigação exclusiva dos pais (homens) em casos de separação, mas pode vir tanto de uma como de outra parte (homens ou mulheres).
O fato é que, em termos profissionais e financeiros, como você bem descreveu, o homem AINDA se encontra em situação privilegiada em relação à mulher, o que os coloca em situação de maior responsabilidade (quantitativa) sobre a pensão alimentícia do que a mulher.
"Para manutenção dos filhos, os cônjuges, separados judicialmente, contribuirão na proporção de seus recursos."
Claro que colocar no plano estritamente legalista é restringir o debate e fugir um pouco da realidade cotidiana dos fatos e do que se vê por aí, mas é bom enfatizar que a situação deve ser muito mais um reflexo das disparidades socio-financeiras dos gêneros do quadro social atual do que de "privilégio" feminino no campo do direito, portanto, mulheres não deveriam lutar contra um direito justo, já que prevê proporcionalidade entre as partes. Pensando idealmente, sendo a desproporcionalidade dos rendimentos financeiros o problema inicial e não o direito-privilégio, avistaríamos a solução se houvesse um tamanho progresso social tal que homens e mulheres constituiriam indivíduos de mesmo poder aquisitivo e que, por conseguinte, teriam de arcar com as pensões alimentícias em igual peso.
Voltei!
ResponderExcluirBom, depois de ler um pouco mais sobre o assunto (que é pra lá de instigante!), pude ver que o assunto tem dado muitas discussões importantes dentro e fora das universidades, o que demonstra mais uma vez a pertinência em você ter levantado essa questão por aqui! Na verdade, voltei para colocar mais um contra-argumento na questão do "privilégio" da mulher em situação de separação e, mais especificamente, sobre a guarda dos filhos. Encontrei uma informação que pode encurtar um pouco minhas divagações pouco objetivas:
Em 2008, foi decretada a lei da "Guarda compartilhada" pelo presidente Lula, que divide as responsabilidades pós-separação na educação e convivência com os filhos entre ambos os pais.
Na visão de Rodrigo da Cunha Pereira, advogado, “a guarda compartilhada ou conjunta surge, então, como conseqüência do pós-feminismo e em decorrência de uma redivisão do trabalho doméstico. Ela traz uma nova concepção para a vida dos filhos de pais separados: a separação é da família conjugal e não da família parental, ou seja, os filhos não precisam se separar dos pais quando o casal se separa e significa que ambos os pais continuarão participando da rotina e do cotidiano dos filhos.” (PEREIRA, 2005)
O feminismo, portanto, não parece lutar apenas pelos direitos que lhe são "convenientes". Ao meu ponto de vista, o questionamento do lugar ocupado pela mulher na sociedade e, mais do que isso, a luta pela emancipação feminina para além do âmbito doméstico, foram e ainda são importantíssimos para nos abrir os olhos às injustiças que estão silenciosas por debaixo dos panos do sempre-foi-assim. Portanto, parece-me ser o feminismo, pelo menos diante dessa análise minha pouco aprofundada, uma luta de causa legítima e ação coerente, apesar de eu própria não me considerar uma "feminista" no sentido estereotipado do termo.
Ainda há pano pra manga, né? São tantas questões... Exemplo:
E até que ponto será que o movimento feminista não vai de encontro com o que é feminimo?
Fica a colaboração e mais um pouco de lenha nessa fogueira!! Hehe
Animada com os seus novos textos,
Camila.
Nossa!!!esse assunto tem me interessado muito ultimamente, já que minha mãe tá se separando do canalha do meu padrasto, e quando você analisa casos particulares, você percebe quão injusta pode ser a justiça.
ResponderExcluirMas depois de ler tudo que a Budinha colocou, não me restam dúvidas, também, da legitimidade da luta do movimento feminista
Camila, muuuito obrigado pelo teu comentário. Não consegui encontrar a legislação suficiente para escrever este post, e você tampou o buraco por mim. Ficou bem mais completo assim.
ResponderExcluirAgora sim, acho que temos material para termos um debate suficientemente calcado na realidade legal brasileira.
De uma hora para a outra apareceram 5 comentários para este post. Agradeço a atenção de vocês com as minhas doidices. Se quiserem, seguiremos este debate pessoalmente.