sábado, 27 de fevereiro de 2010

Sobre fortuna, virtú e o Zico

Não é possível ser bem sucedido em tudo na vida. Mesmo porque, o sucesso não é algo que dependa só de uma pessoa, tampouco somente de um único acontecimento, e (ao contrário do que muitos querem tentar nos convencer) não é algo que um bom planejamento consiga garantir. O próprio Maquiavel já dizia que um bom Príncipe deveria ter aliadas em sua pessoa duas características fundamentais para um governante: a FORTUNA e a VIRTÚ (este último vocábulo é, inclusive um termo criado pelo autor dentro desta obra). A virtú seria o talento, o jogo de cintura, o "agir certo na hora certa". Já a fortuna seria o imponderável, o que não se pode prever, nem planejar; a sorte.

Concordo plenamente com a lógica maquiaveliana de que há coisas que se pode controlar (virtú) e outras que não se pode controlar (fortuna). Parto deste pressuposto para o post de hoje.

Quem busca pela excelência nunca terá certeza de que a alcançará, mesmo porque isto não depende exclusivamente de quem a persegue. Entretanto, a vida nos dá chances para que possamos aproximarmo-nos dela. E quando ela (a chance que a vida dá) aparece, pode-se ter diversas reações. Fugir pode ser uma. Deixar para um futuro que nunca chegará pode ser outra. Mas o único caminho que pode conduzir ao máximo da capacidade/potencial que se tem é ir para cima dos desafios. Como já repeti mais de uma vez, ir para cima do desafio significa enfrentá-lo, e não necessariamente vencê-lo.

Da minha parte, julgo que o remorso por não ter tentado será sempre mais intenso do que o desgosto por um eventual fracasso. Por isto sou teimoso demais, e dificilmente fujo das dificuldades que me são impostas por alguém, mesmo que isto me custe altos preços. Há na história um exemplo que acho emblemático para descrever esta minha maneira de pensar/agir.

Dia 21/06/1986.

Quase 25 anos atrás. Após uma copa do mundo em que o Brasil provavelmente jogou seu futebol mais vistoso da história (a copa de 1982), os tupiniquins tentavam honrar o nome do país no México, o país onde o Brasil havia conquistado seu último título mundial em 1970, 16 anos atrás. À sua frente, a perigosa França, do maestro Platini. O jogo estava 1X1, caminhando para o final de seu segundo tempo quando entrou em campo Zico, o astro da Seleção.

2 ou 3 minutos após sua entrada em campo, armou um contra-ataque fulminante para o Brasil, deixando Branco na cara do goleiro, que não teve outra alternativa e derrubou nosso lateral: pênalti para o Brasil. Torcida em êxtase. Zico, a referência daquele time, foi para a cobrança. O resto vocês podem acompanhar som seus próprios olhos aqui.

O jogo terminou empatado e foi para a disputa de pênaltis, onde o Brasil foi eliminado de mais uma Copa do Mundo.

Há muitos meses atrás, talvez um ano, ouvi uma entrevista dele (Zico), que está tendo uma carreira muito bem-sucedida fora dos gramados, onde lhe perguntavam sobre este lance. A pergunta foi algo do tipo: "Ainda hoje (2009, eu acho) você carrega alguma mágoa por ter perdido aquele pênalti em 1986?".

A resposta foi algo assim: "apesar de ainda estar frio e somente há alguns poucos minutos em campo até aquele momento, não me martirizo por ter perdido aquele pênalti. Eu era o centro das atenções naquele momento, a referência do time. Se, ao invés de eu bater, alguém outro o fizesse e perdesse, aí eu teria que conviver com a fama de pipoqueiro até hoje. A responsabilidade era minha. Perdi o pênalti. Mas só perde o pênalti quem bate."

Pra quem não conhece o que este cara jogou em campo, vai aqui um pouquinho disso. Apesar de tudo o que ele sabia de bola, não foi capaz de jogar pra rede aquela bola em 1986. Da mesma maneira que ele, nós, por melhores que sejamos no que fazemos, nunca estaremos a salvo de grandes fracassos e decepções em nossas vidas.

Há acontecimentos na vida que são como testes, que medem o tipo de pessoa que somos. Em 1986, Zico teve o dele. Poderia muito bem ter passado a bucha pra qualquer um dos outros 10 jogadores sob o pretexto "poxa, acabei de entrar, estou frio e não estou confiante". Não foi o que fez. Ciente do craque que era e da responsabilidade que carregava por isso, pegou a bola, pôs na marca da cal e bateu. E perdeu.

Daí terá quem dirá: "ele é maluco"; "quis dar um passo maior que a própria perna"; "se precipitou"... e coisas do tipo. Mas ninguém poderá dizer que ele tenha se apequenado diante de uma situação aguda como aquela. Não jogou a responsabilidade pra ninguém que não ele, e até hoje é cobrado por seu erro. Mas só perde o pênalti quem bate. Num momento como o desse lance, acho muito mais importante o fato em si de se ter tomado coragem e ter batido o pênalti do que o resultado da cobrança. Atitude de quem tem fibra, coisa de gente grande. Belo exemplo. Valeu, Zico.

Comente se se sentir à vontade para fazê-lo. Por hoje é isso.

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